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Foi publicado na edição de hoje (16/03) do jornal Valor Econômico, um artigo assinado por Gabriel Leonardos, presidente da ABPI.
No artigo, Leonardos alerta para a queda nos pedidos no depósito de patentes pelo terceiro ano consecutivo e a relação desta queda com os cortes no orçamento do INPI na Lei Orçamentária deste ano.
“A autonomia financeira do INPI, com liberdade para gerir seu orçamento, pode resolver o seu problema estrutural”, diz o presidente.
Leia o artigo completo abaixo:
Cortes no INPI: um tiro no coração da indústria
Por: Gabriel Leonardos
A recente divulgação, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), da queda nos pedidos de depósitos de patentes, pelo terceiro ano consecutivo, deveria colocar em alerta máximo as autoridades empenhadas na recuperação econômica do Brasil.
Note-se que os números sobre o declínio nos depósitos de patentes no Brasil vêm a público no momento em que o orçamento do INPI, o órgão responsável pelo registro de patentes, ou seja, ligado diretamente à indústria inovadora, foi ceifado no bojo do corte linear de despesas discricionárias determinado na Lei Orçamentária deste ano.

A autonomia financeira do INPI, com liberdade para gerir seu orçamento, pode resolver o seu problema estrutural

É bom que se atente para o fato de que o corte aprovado pelo Congresso inviabiliza a operação do INPI, como reconhecem seus próprios dirigentes, que preveem a paralisação das atividades do órgão em julho deste ano, caso não haja aporte adicional de recursos. É um tiro no próprio pé e no coração da indústria de inovação do país.
Tudo isso em meio a um esforço considerável do INPI em ganhar eficiência e equiparar-se aos melhores escritórios mundiais de patentes. Nos últimos anos, há 8 horas várias medidas têm sido tomadas nesse sentido, com destaque para o combate ao backlog, como é conhecido o histórico estoque de patentes pendentes de exame, que andou pela casa dos 260 mil pedidos e, nos últimos dois anos, vem sendo reduzido expressivamente.

Contudo, comparado aos seus congêneres mundiais, o INPI ainda demora muito para realizar o exame de pedidos de patentes. Não é um bom sinal para a indústria de inovação no país, que, por sua vez, busca segurança jurídica e agilidade na proteção patentária. Este tempo, que já chegou a mais de dez anos, em média, e em alguns setores da indústria alcançou 14 anos, foi reduzido atualmente para cerca de oito anos. O desempenho do escritório brasileiro, no entanto, ainda está longe do prazo de três anos em média auferidos por países da União Europeia, do Japão e Estados Unidos, para ficar em alguns exemplos.
Da mesma forma, fica a dúvida quanto à sustentabilidade da política de combate ao backlog nos próximos anos, notadamente diante da persistente carência de recursos do INPI.
Por todas essas razões, é possível afirmar que somente a autonomia financeira do INPI, com liberdade para gerir seu orçamento, pode resolver o problema estrutural da autarquia, que carece de recursos para investimento no campo da tecnologia, sistemas, software, inteligência artificial, contratação e treinamento de examinadores, entre outras medidas. Projeto de Lei Complementar (PLP nº 143, de 2019), que veda a limitação de empenho e movimentação financeira das despesas relativas ao INPI, tramita na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados.
Respaldada pela autonomia financeira do órgão, a implementação de todas essas providências poderá ser realizada sem qualquer prejuízo para o erário, pois o INPI é uma autarquia superavitária, que arrecada dos usuários valores muito superiores aos seus dispêndios. No ano passado, após haver pago os seus próprios gastos discricionários de custeio e de investimento (R$ 55,9 milhões), o INPI ainda contribuiu com R$ 187,4 milhões líquidos ao Tesouro Nacional provenientes de receitas de serviços prestados. E, da mesma forma, o órgão foi superavitário em 2019/20, quando contribuiu ao Tesouro R$ 128 milhões em cada um dos dois anos.
Ademais, no “fundo” que é vinculado ao INPI junto ao Tesouro Nacional, abastecido pelas receitas auferidas pela autarquia, há mais de R$ 1,6 bilhão que o órgão é proibido de utilizar. Descumpre-se, há décadas, a decisão unânime do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 3.863, que determinou que a receita do INPI possui a característica de “preço público” e, como tal, o produto da arrecadação deveria reverter integralmente para a prestação dos serviços aos usuários. Na prática, os emolumentos cobrados pelo INPI das empresas inovadoras convertem-se em um imposto perverso, disfarçado, que é revertido para o Tesouro Nacional.
A eficiência do INPI no padrão dos grandes escritórios mundiais de patentes é condição sine qua non para a recuperação da nossa indústria. Um órgão rápido e ágil na concessão dos direitos de propriedade intelectual é a garantia jurídica para a indústria de inovação decolar no país. Ainda estamos longe disso.
Senão vejamos: de 2013 a 2021 o número de pedidos de patentes depositados anualmente no INPI, nacionais e estrangeiros, caiu gradual e anualmente, de 34.050 para 26.921. No mundo, ao contrário, o total de pedidos de patente cresceu em 16/03/2022 de 2,57 milhões para 3,22 milhões em 2019. Ou seja, enquanto no conjunto dos países o aumento nos depósitos de patente foi da ordem de 25%, no Brasil houve um decréscimo de cerca de 21%.
Por inevitável, há de se vincular a debacle patentária brasileira à desindustrialização do país. No melhor momento, em 1985, a participação da indústria no PIB brasileiro já esteve em 48%, mas encolheu para menos da metade desse percentual, no último trimestre de 2021, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), em sua última aferição. Ora, uma indústria sucateada não tem competitividade, e tende a desaparecer. Não é à toa que em 2021 o Brasil figurou na 57ª posição no Ranking Global de Inovação organizado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI).
O problema do INPI é uma questão que toca diretamente ao soerguimento da indústria brasileira nesses tempos difíceis de pandemia. A autonomia financeira do órgão é um passo importante neste sentido. Enquanto o país não dispuser de instituições e instrumentos que, a partir de uma política de Estado, garantam a concessão de direitos de propriedade industrial de forma rápida e eficiente, persistirá a insegurança em relação a depósitos de patentes junto ao INPI.

Gabriel Leonardos é presidente da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI)

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