Newsletter Edição 07 - Outubro 2019

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Um membro de honra da PI

O advogado Luiz Leonardos escreveu muito cedo seu nome na história da Propriedade Intelectual no Brasil. Aos 15 já trabalhava no escritório do pai, Thomas Othon Leonardos, e três anos depois formou-se agente da propriedade industrial credenciado pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Fundador, ao lado de outros pares, da ABPI (Associação Brasileira da Propriedade Intelectual), além de ex-presidente, presidente de honra e integrante do conselho diretor, Luiz Leonardos é membro de várias instituições internacionais de PI. Participou, ao fim da década de 60, da delegação brasileira na Conferência de Estocolmo das Convenções de Paris e de Berna (ocasião em que a OMPI foi criada). Não perde um congresso da AIPPI (Association Internationale pour la Protection de la Propriété Intellectuelle), entidade da qual foi presidente executivo e é membro de honra.

Aos 84 anos, Luiz Leonardos mantém a rotina diária no escritório que, desde 2012, após uma cisão, leva seu nome. Na sequência, estão os melhores trechos da entrevista que concedeu em seu escritório, num dos intervalos de trabalho. Com boas doses de humor e memória pródiga, abordou temas diversos da agenda de PI, entre patentes, Protocolo de Madri, Schumpeter e inteligência artificial.

Um aborrecente na Noite

“Quando já tinha 15 anos e era um adolescente ou aborrecente, trabalhar era um caminho de aliviar em casa. Comecei no escritório do meu pai, que se associou ao Momsen e surgiu o escritório Momsen, Leonardos e Cia, dedicado à Propriedade Industrial e a advocacia societária. Trabalhava na parte burocrática, carregando papel etc. Em 1953, com o colégio concluído, entrei para a faculdade de Direito. Durante o curso, fiz o exame para agente da propriedade industrial. Tinha 18 anos e já era emancipado, uma vez que, pelo código civil da época, atingia-se a maioridade somente com 21 anos. A partir de então engrenei no trabalho de PI.

Na época, nosso escritório ficava no Edifício A Noite, na Praça Mauá (Rio de Janeiro), onde funcionou durante muitos anos o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Quando o INPI passou a pertencer ao Ministério da Indústria e Comércio o governo retomou o prédio, que sempre pertenceu à União. Aí saímos do Edifício A Noite, mas ficamos sempre pela mesma área.

Empresários de peso na ABPI

Hoje, dos fundadores da ABPI, somos apenas três sobreviventes, o Peter Siemsen, Geraldo Dannemann e eu. Logicamente nesta faixa etária são poucos os que ainda estão na ativa. Ocorre que no nosso ramo, a propriedade intelectual, é altamente internacionalizada. Frequentávamos a AIPPI (The International Association for the Protection of Intellectual Property, na sigla em inglês). No circuito Paris e Viena, que era o centro do império austro-húngaro, naquele início do século XX, chegou-se a um entendimento que seria conveniente se fundar a Associação Brasileira para a Proteção da Propriedade Intelectual, a ABPPI, como grupo nacional da AIPPI. Hoje, com o nome de ABPI (Associação Brasileira da Propriedade Intelectual) é um importante grupo nacional da AIPPI, basta lembrar que já fizemos dois congressos da AIPPI no Brasil.

A ABPI começou com presidentes de peso no cenário empresarial brasileiro. O primeiro foi o nosso saudoso Maurício Vilela, do Laboratório Vilela, seguido depois do Guilherme Vidal Leite Ribeiro, da Klabin Celulose. Sempre houve na ABPI um misto de empresas e escritórios de advocacia, como, na época, o nosso, o do Dannemann, Daniel e outros. Essa composição permanece até os dias atuais, com a presença de escritórios e muitas empresas associadas à ABPI. Isso é importante. As empresas precisam de proteção e a ABPI é um centro de debates, estudos e encaminhamento das questões relativas à propriedade intelectual no Brasil. É uma entidade reconhecida pelos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Inicialmente os congressos da ABPI eram realizados a cada três anos, depois passaram a dois anos até se tornarem anuais. Há sempre painéis com empresários, profissionais da área e com magistrados, o que é de suma importância já que há uma troca de entendimentos, compreensões de teses jurídicas que vão ser aplicadas depois nos processos judiciais.

 INPI é problema antigo

O fato de o DNPI (Departamento Nacional da Propriedade Industrial) virar uma autarquia, o INPI, não acarretou o que nós na época pensávamos ou sonhávamos, ou seja, um incremento na capacidade administrativa do órgão. Veja que o problema é antigo. Criaram essa repartição para fazer um exame de fundo dos pedidos de patente, um processo mais complexo do que os exames dos pedidos de marca, mas sem estar aparelhado, com examinadores de sólida formação técnica. Veja que hoje, para ser examinador do INPI, exige-se que o candidato tenha um mestrado ou doutorado em área técnica, o que é correto, é assim pelo mundo todo.  Mas fato é que o INPI nunca esteve aparelhado de modo satisfatório para desempenhar suas funções.

Um velho jurista comercialista, Carvalho de Mendonça, no seu tratado de direito comercial já dizia que a eficácia ou o sucesso da proteção da propriedade industrial, com este exame de fundo, sobretudo dos pedidos de patentes, dependia essencialmente da capacidade da repartição pública de desempenhar a bom termo a sua função. Como isso nunca ocorreu no Brasil, daí esse tremendo backlog dos pedidos de patentes.

Até hoje, para dar conta do volume de trabalho no INPI, seria necessário contratar mais examinadores de patentes. Só que o Brasil inteiro está vivendo um período de muita restrição econômico-financeira.

É verdade que dirigentes da gestão passada como da atual do INPI se esforçaram e continuam estão se esforçando muito para fazer frente ao backlog. As medidas da atual administração, dando continuidade às que já estavam sendo adotadas na gestão anterior, estão começando a surtir efeitos, permitindo que o INPI solte com mais rapidez os exames dos pedidos de patentes. Os pedidos de marcas praticamente estão em dia.

Autonomia: está na Lei

O que se esperava, transformando o DNPI em autarquia – e isso está autorizado na atual Lei de Propriedade Industrial –  é que o órgão tivesse autonomia administrativa e financeira. Só que o governo nunca implementou isso: devolve uma verba que nunca é o equivalente ao que foi arrecadado. Se a arrecadação do INPI pudesse ficar no próprio INPI provavelmente o órgão teria recursos para funcionar muito bem de forma independente. Por sinal, existem Projetos de Lei no Congresso, complementando a Lei atual, estabelecendo que esses recursos devem ficar sempre no INPI e não serem recolhidos para o Tesouro. Com isso, o INPI poderia acelerar o exame de patentes que, em certas áreas, pode demorar até 12 anos para ser concedida. Parece incrível, mas uma das áreas mais demoradas de exame de patentes é a de Mecânica.

Protocolo de Madri

O registro internacional de marcas, que será feito agora no Brasil por meio do Protocolo de Madri, talvez não saia tão barato quanto tem sido alardeado, uma vez que são inúmeras taxas incidentes em várias fases processuais. Um brasileiro que quiser proteger a sua marca no âmbito dos mais de 120 países signatários do Protocolo terá que fazer o pedido em inglês ou espanhol. Vai pagar tanto a taxa do INPI, da OMPI e de qualquer outro país onde quiser a proteção.

Há certas disposições do tratado que entram em conflito com a nossa legislação de propriedade industrial. Uma das coisas que a Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) implementou com grande rigor, e serve para proteger o empresariado nacional, é o que consta no Artigo 217, obrigando o requerente estrangeiro, tanto no registro da marca ou no pedido da patente no Brasil, a ter um procurador brasileiro com poderes para receber citação na área administrativa ou para procedimentos judiciais. Antes, quem quisesse fazer uma ação no Brasil de um registro de marca ou de uma patente contra um titular estrangeiro tinha que seguir um procedimento chamado de carta rogatória para o país de origem, de forma que o requerente pudesse ser citado e respondesse ao processo no Brasil. Era um processo demorado, e alguns países, como os Estados Unidos, dificilmente aceitavam estas cartas rogatórias.

O curioso é que, recentemente, os Estados Unidos alteraram sua Lei de Marcas para obrigar o estrangeiro que procura registrar a marca naquele país, inclusive por meio do Protocolo de Madri, a constituir um procurador americano. O Brasil deveria aproveitar este exemplo e aplicar o que já está na sua própria Lei.

Falácias nas Indicações Geográficas

Há uma certa falácia em se dizer que a Indicação Geográfica só teria proteção por conta deste acordo entre Mercosul e a União Europeia. A velha convenção de Paris, de 1883, já falava na proteção de Indicações Geográficas, à época chamada de Indicações de Procedência. Paralelamente à Convenção de Paris, foi aprovado outro tratado, que também é de Madri, mas não se deve confundir com o de registro de marcas. É do final do século XIX e trata sobre proteção das falsas indicações de procedência.

A inovação schumpeteriana

A propriedade industrial sempre foi contemplada nas constituições brasileiras, exceto na do Estado Novo. Mas logo que voltamos ao regime democrático, em 1946, a constituição da época voltou a incluir a proteção à propriedade industrial e intelectual de um modo geral. Depois as constituições seguintes, mesmo as da época do regime militar, previam expressamente a proteção à propriedade industrial, como consta na atual Constituição de 1988.

Havia um mal entendimento da Propriedade Intelectual, e não foi só no Brasil. Internacionalmente também houve críticas muito grandes a este sistema de proteção de patentes. Um dos maiores defensores da teoria econômica do sistema de patentes, o economista Joseph Schumpeter, falava do processo de destruição criativa, em que uma inovação vai sendo substituída por outra, justamente como vem ocorrendo. Veja que na época dele nem se pensava em computadores e muito menos em inteligência artificial, um tema amplamente discutido nessas associações de propriedade industrial.

Desde a sua concepção teórica, toda a proteção da propriedade industrial é para favorecer o investimento e, para que isso ocorra o que se pede é uma garantia, que é a exclusividade estabelecida pela patente. Mas é preciso também que, na prática, a economia de um país esteja pronta para atrair esta tecnologia e aplicá-la industrialmente e comercialmente. Já há muita invenção desenvolvida no Brasil, mas, comparando mundialmente, o número de patentes originadas no País ainda é muito pequeno.

 Inteligência tem dono

No caso da inteligência artificial a grande discussão é sobre quem deve ser o titular dos direitos de propriedade intelectual. O computador é programado para agir de determinado modo. Quem deve ser protegido? O que criou aquele programa que faz o computador trabalhar de determinado modo ou o sistema que já faz o computador trabalhar de forma própria? Quem seria o proprietário da tecnologia? Isso está gerando grande discussão nos fóruns internacionais e vamos ver aonde vai parar”.

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