Newsletter - Edição 64 - Dezembro 2024

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PL de Inteligência Artificial aprovado no Senado recebe críticas de especialistas

Recém-aprovado pelo Senado Federal, o PL 2.338/23, que regulamenta o uso da Inteligência Artificial no Brasil, foi alvo de críticas por juristas, acadêmicos e representantes de empresas que participaram, no último dia 11, do debate “Decodificando Direitos Autorais na era da Inteligência Artificial”. O evento, primeiro da série do “Fórum de IA & PI” promovido pela ABPI, durou o dia inteiro e lotou uma das salas destinadas a eventos do INNSiDE São Paulo Iguatemi, no Itaim Bibi.

O texto do PL, aprovado no último dia 10, é um substitutivo do senador Eduardo Gomes (PL-TO) e está baseado no PL 2.338/2023, apresentado pelo presidente do senado, Rodrigo Pacheco, a partir de um anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas. O PL segue agora para a análise da Câmara dos Deputados. Entre os dispositivos está a proteção dos direitos dos criadores de conteúdo e obras artísticas. 

No Fórum, as primeiras críticas ao PL foram trazidas online pelo keynote speaker do evento, Max Sills, general counsel no MidJorney, sob a moderação da 2ª vice-presidente da ABPI, Tatiana Campello. Em sua análise, Sills afirmou que o PL brasileiro, desincentiva o treinamento, ou seja, estanca o processo que permite alimentar modelos de IA com dados, de forma que passem a reconhecer padrões. Ele defendeu um modelo alinhado com as jurisdições internacionais. “Queremos uma IA que maximize a criatividade e respeite os detentores de direito, num mundo harmonizado com as leis internacionais”. 

No primeiro painel, sobre “Abordagem regulatórias em IA – como normatizar uma tecnologia em constante evolução”, moderado pela coordenadora da Comissão de Estudo de Direito da Publicidade da ABPI, Fernanda Magalhães, a diretora do ITS Rio, Celina Bottino, defendeu a necessidade de se ampliar a discussão sobre o PL que, inspirado na legislação europeia sobre IA, argumentou, não reflete, em alguns aspectos, a realidade brasileira. Ela estudou as regulamentações de vários países, como Japão, Estados Unidos e Reino Unido, cada uma com um viés próprio.

O líder do Grupo de Trabalho de IA da ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software), Eduardo Paranhos, criticou a escolha da legislação europeia como modelo para a brasileira e defendeu o modelo japonês, que montou seu marco regulatório apenas completando a legislação existente no País. Para ele, no que tange ao treinamento de modelos de IA o PL aprovado “é o mais restritivo do mundo”.

O diretor da Microsoft, Christian Perrone, por sua vez, lembrou que a IA vai impactar todos os setores e empresas. “A legislação vai ser uma base de todas as legislações que vamos ter no futuro”. 

No debate sobre “Tutela jurídica – autoria e titularidade de inputs e outputs de IA generativa”, moderado por Tatiana Campello, o pesquisador da Bruegel, Bertin Martens, pontuou que a indústria de copyright representa 4% da atividade econômica e que, portanto, restringir o acesso aos dados de treinamento teria impacto negativo em 96% da economia. Para ele, a eliminação dos direitos autorais no output do conteúdo é benéfica para a economia. “Se limitarmos o uso de IA por treinamento, a própria produção de conteúdo de mídia será reduzida”. 

A juíza federal Caroline Tauk fez uma apresentação didática sobre IA, mas lançou a dúvida sobre a titularidade das criações geradas por IA generativa, com exemplos na produção artística. O reconhecimento autoral de um humano, afirmou, vai depender da sua contribuição criativa na obra final. “Este é o xis da questão e ainda não temos resposta para isso. Por ora, não há reconhecimento no direito internacional de que máquinas sejam autoras”.

Em sua exposição, o professor Luca Schirru, da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), abordou os dados de treinamento (inputs) em IA. Ele considerou restritivo no PL o acesso à pesquisa e lembrou que os países que estão no topo do índice de inovação são mais permissivos e permitem o uso de mineração de dados para fins de pesquisa. “O texto aprovado está muito problemático, o Brasil tem uma das piores legislações quando se fala em pesquisa, a mais restritiva”.

No painel sobre “Direito autoral e treinamento de IA – como equilibrar proteção e desenvolvimento tecnológico”, moderado pelo co-coordenador da Comissão de Estudo de Direito Digital & Privacidade de Dados da ABPI, José Eduardo Pieri, o presidente do IBD Autoral, Allan Rocha de Souza, disse que o PL 2.338/23, ao estabelecer o dever de remuneração (art. 64) restrito a titulares de direitos autorais e conexos, ignora a distinção entre titulares e autores ou artistas e tem o potencial de agravar o desequilíbrio de forças.

Em exposição rica em detalhes e casos práticos, a professora da Universidade da Califórnia e co-diretora do Berkeley Center for Law of Technology, Pamela Samuelson, mostrou uma visão geral das ações judiciais nos EUA envolvendo dados de treinamento em IA generativa. Dra. Samuelson lembrou que a IA generativa não é a primeira tecnologia disruptiva a atrair ações judiciais de direitos autorais nos EUA. Para ela, embora os tribunais possam se dividir sobre o assunto, sendo difícil prever como os litígios de direitos autorais nos EUA vão acabar, muitas das defesas de “uso justo” para a utilização de modelos de treinamento são plausíveis e bem-sucedidas. “Talvez os formuladores de políticas brasileiros possam encontrar uma maneira melhor de abordar a questão dos dados de treinamento, evitando muitos anos de litígios dispendiosos, como está ocorrendo nos EUA”, disse.

No último painel do dia, o debate sobre “O PL 2338 e os impactos esperados para a decisão de negócios”, sob moderação do conselheiro da ABPI, Filipe Fonteles Cabral, trouxe uma visão mais pragmática das empresas no uso da IA.

Para o diretor da Kyndal para América Latina, Andriei Gutierrez, um dos equívocos do PL é a falta de distinção entre modelo computacional e sistema de Inteligência Artificial. “A governança tem que focar no sistema, não tem sentido regular o modelo, pois estão regulando a tecnologia e o desenvolvimento”. Segundo ele, é preciso amadurecer este debate para trazer segurança jurídica e promover o desenvolvimento econômico do País.

Em sua apresentação, Samanta Santos de Oliveira, líder do Comitê de Proteção de Dados do Mercado Livre, abordou a redação dos artigos 6º e 8º do PL, que trata da revisão humana no sistema de IA. Ao fazer a distinção entre a revisão e a intervenção humana, ela ponderou que o acompanhamento de todas as etapas do sistema pode se tornar inviável. No ecossistema do Mercado Livre, com o uso das ferramentas de IA, explicou, 135.361 anúncios são criados a cada hora no Brasil e mais de dois milhões referem-se à violações dos T & C (Termos e Condições) da empresa.

A coordenadora jurídica da Dasa, Caroline Rocabado, disse que o modelo atual de saúde é pulverizado e inflacionado. Só por meio da tecnologia, acrescentou, será possível avançar nas áreas de pesquisa e desenvolvimento de produtos, com mais assertividade e velocidade na tomada de decisão, em benefício da população. “O uso de algoritmos na saúde é uma realidade não apenas para o aprimoramento do diagnóstico, mas pode, a partir da análise de dados, melhorar a assistência, reduzir erros e desperdício”.

O comitê organizador do Fórum de IA & PI é formado por Tatiana Campello, Erika Silla, Fernanda Magalhães, Filipe Fonteles Cabral e José Eduardo Pieri.

Clique aqui e veja o PL  2.338/23.

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