Newsletter Edição 06 - Setembro 2019

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Peter Dirk Siemsen – Personagem da história da Propriedade Intelectual no Brasil

Ao completar 90 anos de idade, no último dia 20 deste mês, o advogado Peter Dirk Siemsen, do escritório Dannemann Siemsen, Bigler & Ipanema Moreira, é um colecionador de títulos e realizações. Fundador, ao lado de outros beneméritos, da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual – ABPI, da qual é presidente de honra, ele escreveu, com autoridade de protagonista, a história da propriedade intelectual no Brasil.

Autor de uma série de artigos publicados sobre propriedade industrial e transferência de tecnologia no Brasil, Peter Dirk Siemsen é Cofundador e Presidente Honorário da ABPI, sócio benemérito e colaborador da ABAPI, membro de honra e ex-presidente da AIPPI e membro de honra da FICPI, ex-vice-presidente da Comissão de Propriedade Intelectual da ICC, embaixador regional da ICC na América Latina, árbitro do Centro de Arbitragem e Mediação da OMPI e do CAS (Court of Arbitration of Sports). Também é membro da INTA, GRUR, AIPLA, ITMA, ECTA, Marques, LES, ATRIP, LIDC e do Conselho Diretor da Amcham/RJ, dentre inúmeras outras instituições.

Na compilação abaixo trazemos excertos da entrevista que concedeu no jardim de inverno de sua casa, no Jardim Botânico, às vésperas de viajar para o Congresso Internacional da AIPPI, em Londres. Na conversa, revelou simplicidade, sabedoria, memória firme e bom humor ao tratar de temas diversos, como os seus primeiros passos no campo da Propriedade intelectual, a fundação da ABPI, as legislações esculpidas pelo regime militar e o relacionamento com o INPI. E, ao tecer algumas ideias sobre o Brasil, sentenciou: “Educação é o ponto chave do nosso futuro”.

 Os primeiros contatos com a PI

Em 1947 cursava o científico e não sabia o que fazer do meu futuro. Como quase todos os meus amigos iam cursar engenharia, pensei em fazer o mesmo e fui trabalhar como aprendiz de desenhista. Um dia meu tio-avô, Eduardo Dannemann, que tinha um escritório com apenas cinco pessoas, perguntou se eu não queria ganhar um dinheiro adicional. Aceitei e comecei a fazer desenhos de patentes para o escritório.

No final do ano, época de férias, meu tio-avô perguntou se, nas horas vagas, eu não queria trabalhar como ajudante de preposto junto ao antigo DNPI (Departamento Nacional de Propriedade Industrial). Aceitei. Eu ia ao ministério, copiava o processo e trazia para o escritório. Quando terminaram as férias fui contratado.

Convocado para o serviço militar, fui soldado raso do batalhão de guardas em São Cristóvão. Quando acabei, meu tio-avô queria que eu fizesse Química, mas me matriculei em Direito. Terminei o primeiro ano de faculdade em Niterói e depois me transferi para uma faculdade no Catete, que pertencia a vários advogados conhecidos. O horário permitia que eu estudasse e trabalhasse, desenvolvendo a atividade de Propriedade Intelectual no escritório.

Em 1952 fui aprovado no exame para agente de Propriedade Industrial e, no ano seguinte, fui convidado para ser sócio do escritório.

A PI nos anos 50

Teoricamente o Brasil, desde cedo, esteve envolvido na Propriedade Intelectual e acompanhava todas as evoluções sobre o tema. Começou com a vinda de Dom João VI para o Brasil, que editou uma Lei protegendo as inovações. Em 1833 o Brasil teve sua primeira Lei de Patentes. Em 1875 veio a primeira Lei de proteção às Marcas. Em 1883 o Brasil foi um dos signatários da Convenção de Paris.

Mas na prática, a Propriedade Intelectual no Brasil nunca funcionou bem. Nos anos 50, quando passei a militar na área, era tudo muito demorado. O governo fazia pouco investimento para a melhoria do DNPI (Departamento Nacional de Propriedade Industrial), o INPI da época. Havia um monte de processos não despachados. Faltava gente qualificada. Não havia um plano de carreira no órgão. Na verdade, não mudou muita coisa.

Nasce a ABPI

Em 1963, no Congresso da AIPPI em Berlim, compareceram vários brasileiros, inclusive eu, representando o escritório, o Carlos Henrique de Carvalho Froes, já falecido, do escritório do Momsen Leonardos e Paulo Carlos de Oliveira. Tivemos várias reuniões lá, inclusive com os latino-americanos, discutindo a necessidade de desenvolvermos a Propriedade Industrial no Brasil e a nossa participação nos eventos internacionais. Daí decidimos fundar a ABPI, entidade ligada a AIPPI. Ao mesmo tempo houve um movimento, inclusive com a participação de americanos, para fundar uma entidade interamericana, a ASIPI. Então passamos a ter uma entidade brasileira e uma entidade interamericana, da qual o Brasil também passou a fazer parte.

Quando criamos a ABPI a nossa intenção era atrair a indústria para trabalhar conosco, na esperança de fazer o governo dar mais atenção a esta área. Tanto que os primeiros presidentes da entidade foram do meio empresarial.

Legislação às corridas

Inicialmente, quando o governo de Castelo Branco assumiu, eu alertei o ministro da Indústria e Comércio da necessidade de o governo aproveitar a ocasião e reformar a propriedade industrial para modernizá-la e colocá-la em dia com o movimento mundial. Ele prometeu, mas nada fez. No final do governo fizeram uma legislação, às corridas, que foi um desastre. E foi difícil convencer o governo de que era preciso fazer uma nova revisão da Lei. Formamos uma comissão e estávamos trabalhando numa lei moderna quando um colega, amigo do então dirigente do DNPI, conseguiu convencê-lo a fazer uma outra Lei, sem considerar o nosso trabalho. O resultado foi uma legislação mal redigida, que não levava em conta uma série de aspectos relevantes da PI. Na ocasião, o governo nomeou um oficial de Marinha, que tinha sido meu colega de colégio, para dirigir o DNPI. Estava tão aborrecido com toda aquela confusão que não fui à posse dele.

Soube então que o governo iria participar de uma reunião em Washington para discutir um tratado internacional sobre Propriedade Intelectual. Procurei o meu antigo colega de colégio, que me recebeu de braços abertos. “Agora que você me aparece, depois desse tempo todo? ”, disse, ao confirmar que iria a Washington como chefe da delegação brasileira. Como ele respondeu que não tinha muita coisa para levar à reunião, entreguei um material a ele e, ainda, telefonei para o presidente do escritório de patentes da Alemanha para que lhe desse uma atenção especial. A convite do alemão o presidente do DNPI ficou 15 dias no escritório local estudando a matéria. O resultado foi que ele voltou para o Brasil com outra perspectiva. Foi criada uma nova legislação para a Propriedade Industrial bem melhor que as anteriores. Mas tinha defeitos, como o que proibia as patentes farmacêuticas e de alimentos. Na ocasião foi extinto o DNPI, que deu lugar ao INPI.

Paz com o INPI

Durante muito tempo o entendimento com o governo foi difícil. O governo baixou um decreto acabando com a profissão de agente da propriedade industrial. Tivemos que ficar quietos, pois como decreto era inquestionável, e se virasse Lei seria irremediável. Aguardamos uma década e meia até poder discutir o problema. Negociei muito, tive que ir a Brasília diversas vezes. E toda vez que chegávamos a um entendimento, ou mudava o ministro ou mudava o governo. E finalmente, com o ministro Dornelles, conseguimos que fosse restabelecida a profissão de agente.

Em 1977, quando assumi a presidência da ABPI, a primeira coisa que fiz foi negociar a paz com o INPI, já que havia certa dificuldade entre o órgão e o setor privado.

Os seminários da ABPI

No final de 1977 fizemos um almoço com o presidente do INPI e começamos a desenvolver um diálogo maior. E aí me ocorreu a ideia de criar o seminário anual da ABPI, hoje Congresso Internacional, para debater sobre Propriedade Intelectual. Havia uma falta de conhecimento geral sobre a matéria. A minha tese era de que não deveríamos realizar os seminários sempre no mesmo lugar. E por isso fizemos o evento em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte. A ideia era difundir o conhecimento da Propriedade Intelectual Brasil afora.

Depois de seis meses de negociação o INPI concordou em fazer o evento em conjunto com a ABPI. Realizamos o primeiro no auditório do Hotel Hilton, em São Paulo. Foi um sucesso enorme. E para convencer a todos da importância do sistema de patentes eu convidei um amigo inventor para dar uma palestra no evento. Foi a estrela do congresso, deu grande repercussão: afinal, era um inventor brasileiro, que estava conseguindo patentes no Brasil e no exterior. Inicialmente, o pessoal do INPI teve medo de participar, afinal era o regime militar, mas depois eles ficaram felizes com o resultado e daí em diante participaram tranquilos dos eventos. 

Enfim, uma boa legislação

A nova Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) deu muito trabalho. Em 1991 o governo decidiu por uma nova legislação e fez um anteprojeto que era um horror. Nós fizemos um trabalho minucioso, analisamos parte por parte do anteprojeto do governo e ao lado de cada item anotamos comentários, críticas, e em outra coluna apontamos como deveria ser. Distribuímos esse material aos parlamentares para entenderem o assunto, de forma que tivessem pelo menos uma base para discutir no Congresso o projeto definitivo. Todo este trabalho resultou na Lei atual, que é muito boa.

O antigo e o novo INPI

Basta ler um artigo escrito pelo Carl Buschmann em 1916, depois fechar os olhos e se transportar para 2019: é quase a mesma situação. O INPI precisa de uma estrutura diferente, pois do jeito que está limita o investimento na pesquisa, na inovação e os programas de patenteabilidade. Falta um plano de carreira. Quem entra deve ter possibilidade de fazer uma carreira, que dê oportunidades e culmine em cargos elevados. Hoje, uma patente demora 12, 13 anos e quando é concedida já está ultrapassada, enquanto lá fora é muito mais rápido. Há empresas brasileiras que pedem patentes no exterior e não pedem no Brasil.

O governo precisa reconhecer a importância do INPI no desenvolvimento do sistema de patentes. Reconhecendo isso vai consequentemente incentivar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico do País.

A Educação é o futuro

O que mais preocupa com relação ao futuro do Brasil é o nosso nível de Educação, que é lastimável. Enquanto não investirmos material e intelectualmente na Educação não vamos avançar. Estive na Coreia em 1964. Era um país mais atrasado que o Brasil e hoje tem um nível tecnológico muito superior. A China é uma explosão de desenvolvimento. Os países desenvolvidos como Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra, Japão, Coreia e agora a China investiram em Educação e na Propriedade Intelectual.

E nós aqui, discutindo venda de soja. Enquanto não modificarmos isso não iremos para frente, este é o ponto fundamental. O que se paga ao professor é uma vergonha. Precisamos formar gente qualificada para ajudar no desenvolvimento. Educação é o ponto chave do nosso futuro.

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