Newsletter - Edição 68 - Abril 2025

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O samba e o plágio nas histórias da MPB

O representante seccional da ABPI na Bahia, Rodrigo Moraes, tem muita história para contar sobre plágio na música popular brasileira. Ele é autor, ao lado de Juca Novaes, do livro “Você diz que meu samba é plágio”, editado pela EDUFBA. Como o título sugere, não se espere uma obra para iniciados, pautado pelo juridiquês, mas um livro de histórias, descontraído, com linguagem acessível, sobre a violação de direitos autorais na música. Ocorre que os autores, além de advogados militantes na matéria, são músicos e compositores, com álbuns gravados e conhecedores da teoria musical. Nesta entrevista Moraes dá uma palinha nas histórias que os dois apuraram ao longo de dois anos de pesquisas.

O que suscitou o interesse em escrever o livro?

Rodrigo Moraes: O propósito do livro é ensinar e divertir ao mesmo tempo, por meio da narrativa e análise de mais de oitenta curiosas histórias sobre plágio ou falsa acusação de plágio. Nossa intenção é levar conceitos de Direito Autoral para fora do circuito acadêmico, compartilhando informações jurídicas importantes numa linguagem acessível ao público interessado em música e cultura. Nós, autores, além de advogados especializados em Direito Autoral, somos músicos e compositores, com álbuns gravados que constam nas plataformas de streaming. Sabemos ler partitura e conhecemos a teoria musical, o que nos ajuda a ter maior discernimento nos casos de plágio que enfrentamos, cotidianamente, em nossas atividades de advogado.

Como foi a pesquisa, que fontes utilizaram?

RM: Utilizamos diversas fontes: decisões judiciais, obras jurídicas, biografias, livros sobre a história da música popular brasileira, matérias jornalísticas, a hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, entrevistas com compositores… Ou seja, a pesquisa não se limitou a obras jurídicas. Houve uma pesquisa interdisciplinar que durou mais de dois anos. Aprendemos muito com a pesquisa e, agora, compartilhamos o resultado com o público leitor.

Qual a dimensão do problema do plágio na MPB?

RM: Há muita desinformação tanto no âmbito jurídico quanto no musical. Existem mais de 1.800 faculdades de Direito no País, mas pouquíssimas trazem Direito Autoral em sua grade curricular, o que demonstra que o Brasil está bastante atrasado, pois a propriedade mais valiosa deste século é a propriedade imaterial. Da mesma forma, as faculdades de Música, infelizmente, também não costumam ensinar conceitos básicos de direitos autorais e conexos, que são importantíssimos para o exercício profissional do músico, compositor, arranjador e intérprete. Há mitos que precisam ser desfeitos, como, por exemplo, o antigo “mito dos oito compassos”, de que só existiria plágio com a cópia superior a oito compassos musicais. Essa inverdade ainda é repetida. O livro traz, ainda, bons subsídios para que pessoas formadas em Música possam atuar como peritos em causas judiciais envolvendo acusação de plágio musical. Não raro, um magistrado se vale de um laudo pericial de um expert em música. Daí por que o livro pode ajudar na formação de novos músicos que queiram se habilitar à atividade de perito judicial ou assistente técnico em litígios envolvendo acusação de plágio.

Quais as músicas plagiadas mais conhecidas?

RM: Há casos curiosos de plágio, ainda que a alegação de defesa tenha sido a de plágio involuntário, sem intenção, sem dolo. Por exemplo, contamos o caso da canção “Da Ya Think I’m sexy?”, de Rod Stewart, que utiliza um refrão parecidíssimo com o de “Taj Mahal”, de Jorge Ben Jor. O caso, na época, teve ampla repercussão na mídia. Mas não tivemos a intenção de emitir um parecer conclusivo sobre cada caso de denúncia narrado. Deixamos a conclusão para o público leitor.

Qual o percentual dos plagiados que recorrem à justiça?

RM: Nem todas as acusações de plágio viraram ações judiciais. Muitas ficaram apenas no campo da polêmica. Demonstramos, no livro, que já houve muito denuncismo, denúncias infundadas de plágio. E narramos casos de ações envolvendo plágio em que o autor teve o julgamento improcedente.

A Lei de Direitos Autorais dá conta na proteção dos autores plagiados?

RM: A palavra “plágio” não consta na Lei de Direitos Autorais (9.610, de 1998). A Lei Autoral, portanto, não traz o conceito de plágio. A ausência dessa nomenclatura no plano legislativo é antiga. Nem a Lei Medeiros e Albuquerque (Lei nº 496, de 1898), nem o Código Civil de 1916 e a revogada Lei de Direitos Autorais de 1973 definiam plágio, tampouco mencionavam o vocábulo. Não se equivocaram. Não é função do legislador trazer um conceito de plágio. O conceito aberto (indeterminado) de plágio impõe ao juiz-intérprete uma tomada de posição, uma apreciação particular de cada caso que lhe é apresentado. O magistrado há de levar em consideração todos os pormenores fáticos do caso que lhe é apresentado. Por exemplo: a data de criação e da solicitação do registro (se houver) de cada uma das obras; os depoimentos das partes e das testemunhas, a fim de verificar se o acusado teve ou não acesso à obra supostamente plagiada; a conclusão do laudo pericial, que faz uma espécie de “prova de contraste”; a análise de provas documentais, como os originais escritos à mão pelo verdadeiro autor; o grau de originalidade das obras etc.

A internet potencializou o problema?

RM: Sim. Mas o plágio musical e as acusações de plágio existem há muito mais tempo que a internet. Os compositores, com o advento da internet, passaram por um processo de invisibilidade. Até pouco tempo atrás, o assinante de uma plataforma de streaming musical sequer conseguia obter a relevante informação de quem eram os autores de uma canção, o que significava não apenas violação da Lei de Direitos Autorais (9.610, de 1998), como também ofensa ao direito à informação previsto no Código de Defesa do Consumidor. Os compositores já têm novos desafios pela frente, como, por exemplo, lutar por uma remuneração mais justa no ambiente digital e, também, evitar o aproveitamento parasitário de suas criações por empresas de inteligência artificial generativa.

As falsas acusações de plágio são expressivas na MPB? Qual a razão?

RM: Há casos interessantíssimos de ações temerárias, de falsa acusação de plágio. Houve uma ação absurda, que tramitou no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, contra talentosos compositores do grupo mineiro Skank. Essa trapaça autoral foi um verdadeiro escândalo, que teve, inclusive, uma divulgação irresponsável de uma conceituada empresa jornalística, que preferiu noticiar a acusação sem o devido cuidado com o princípio da presunção de inocência. A imprensa precisa ter maior responsabilidade, até porque uma acusação falsa de plágio pode atingir a reputação de um autor. Os autores do Skank foram vencedores na ação. Mas o processo judicial durou 23 anos. A banda terminou primeiro que o processo judicial. Obtivemos uma declaração inédita de um dos principais acusados, especialmente para a edição deste livro.

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