Durante muito tempo, em seus estudos, o advogado Milton Lucídio Leão Barcellos debruçou-se na busca de uma equação ótima, que contemplasse a melhoria do sistema brasileiro de patente e levasse em conta o atual ambiente concorrencial de inovação tecnológica, os acordos internacionais dos quais o País faz parte e as características da nossa sociedade. O enfrentamento desta complexa questão está no seu recém-lançado livro “Direito de Patentes Brasileiro”, pela Editora Lumen Juris. Mestre e doutor em Direito pela PUCRS e autor dos livros “Propriedade Industrial & Constituição” e “O Sistema Internacional de Parentes”, o autor detalhou nesta entrevista alguns aspectos refletidos em sua obra mais recente que, como ele disse, traz “um olhar contemporâneo sobre o direito de patentes”.
O que defende no seu livro?
Milton Lucídio Leão Barcellos: Defendo um olhar contemporâneo brasileiro do Direito de Patentes. Em resumo, através dos pilares da igualdade, concorrência e hermenêutica, o direito de patentes brasileiro deve ser interpretado de modo sistemático em sintonia com as suas razões de existir e os seus objetivos a cumprir, levando-se em consideração as particularidades de cada setor tecnológico e ao mesmo tempo observando a moldura de acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário e deve respeitar.
Como avalia o funcionamento do sistema de patentes brasileiro?
MLLB: O sistema de patentes brasileiro é bom. Do ponto de vista do INPI, temos examinadores experientes e dedicados, mas que como instituição relevante que é, carece de maiores investimentos do País em infraestrutura, número de servidores técnicos e tecnologia. Quanto ao Poder Judiciário, tanto a Justiça Federal do Rio, quanto o TRF2 são exemplos de dedicação e refinamento jurisprudencial no setor de patentes, mas ainda estamos carentes de um número maior de peritos judiciais qualificados na área de patentes. Por outro lado, nossa cultura brasileira de valorização da delimitação de propriedade (ou direito) sobre uma invenção ou modelo de utilidade ainda é muito incipiente e nichada.
O que é necessário para aperfeiçoá-lo?
MLLB: A qualificação dos exames com um maior número de servidores (com mais tempo para realização do exame) e treinamentos constantes visando uma clareza sobre a interpretação dos requisitos de patenteabilidade (em especial da atividade inventiva e suficiência descritiva) para casos complexos, as melhores práticas internacionais e com adequação ao nosso sistema brasileiro de patentes. Por outro lado, como destacado no livro, entendo que o prazo de 20 anos estabelecido pelo ADPIC/TRIPS como prazo mínimo, incorporado em nossa LPI, acaba sendo o “prazo máximo” que o Brasil deve conceder de vigência para as patentes, alinhado com o decidido na ADI 5529 em 2021 e sem qualquer descumprimento ao art. 27 do ADPIC/TRIPS.
Como é a nossa legislação atual sobre patentes?
MLLB: Entendo como adequada. Quando pensamos na aplicação da Lei da Propriedade Industrial – LPI e da Lei do Processo Administrativo Federal – LPAF (aplicada subsidiariamente à LPI), temos uma legislação de patentes atual e que inclusive garante ao requerente do pedido de patente, por exemplo, o exercício do direito (também constitucional) da razoável duração do processo administrativo e a motivação materialmente considerada.
Em que pontos ela deve ser atualizada?
MLLB: O ponto importante, considerando a vinculação do Brasil ao ADPIC/TRIPS, é a manutenção do prazo de vigência de patentes limitado ao caput do art. 40 da LPI (máximo de 20 anos), sem a implementação de PTE, PTA ou SPC na realidade brasileira.
O seu livro aborda o princípio da igualdade. Como conciliá-lo com o da livre concorrência?
MLLB: Uma das propostas da pesquisa é propor soluções via a) compreensão de cada tecnologia e suas particularidades (aplicação do princípio da igualdade em seu sentido material, tendo como fator de discrímen a tecnologia) para, através de exercício hermenêutico, estabelecer mais apropriadamente a compreensão dos requisitos de patenteabilidade e a delimitação clara do escopo de proteção da patente frente ao exercício do direito de patentes no mercado, assegurando a não apropriação indevida do domínio público através de eventuais hipertrofias do título proprietário em áreas técnicas específicas, como por exemplo as IICs; b) O instrumento da Licença Compulsória (pouco usado no contexto concorrencial por abuso de direito, abuso de poder econômico ou por aperfeiçoamento/dependência de patentes) deve ser melhor compreendido e procedimentalmente melhor avaliado no âmbito concorrencial (tanto pelo Cade quanto pelo Poder Judiciário); c) Em uma proposição mais utópica sobre o “dever-ser” do sistema de patentes com base no princípio da igualdade (nesse caso gerando potencial violação ao ADPIC/TRIPS), entender que o princípio da não-discriminação com base na premissa “tecnologia”, em realidade estabelece um fator de discrímen equivocado ao não modular prazo e proteção de acordo com as particularidades de cada área tecnológica, de modo que ao entendermos essa “falha” da moldura do sistema de patentes inserido em um ambiente concorrencial, entendemos melhor como podemos evoluir o próprio sistema para um futuro desejável e equilibrado.