Entrevista: Uma visão 360 graus da IA
Os que se interessam pela regulação da Inteligência Artificial no Brasil estão com os olhos voltados para dois vetores de importância: a legislação europeia sobre o tema, formulada no âmbito do EU AI Act; e o PL 2.338/2023, que está em análise no Senado Federal. O ABPI-CEDUC está trazendo renomados especialistas no assunto para orientar, explicar e debater o tema no curso “Aspectos Jurídicos de Inteligência Artificial”, uma visão de 360 graus sobre a legislação europeia e o PL brasileiro.
Nesta entrevista, os coordenadores Renata Lisboa e Pedro Vilhena dão uma amostra instigante sobre o conteúdo do curso que se inicia no dia 15 de Outubro.
O que esperar do curso “Aspectos Jurídicos de IA” levando-se em conta que as legislações sobre o tema no mundo estão ainda se consolidando e tudo é muito novo?
Renata Lisboa: Há muitas aulas e palestras sobre o tema, mas não havia visto ainda um curso completo. Como coordenadora do ABPI-CEDUC, achei que seria uma oportunidade de a ABPI firmar seu protagonismo neste tema. Convidei o Pedro Vilhena e nossa primeira ideia foi fazer um curso 360 graus sobre as implicações da IA no Direito. O curso foi estruturado pensando na interseção tecnologia e princípios de Direito aplicados às mais diversas vertentes. A legislação sempre espera os conflitos se estabilizarem, mas segue os princípios de direito e as tendências internacionais. Por esta razão que o curso foi lançado após a publicação do regulamento europeu, para que tivéssemos um contraponto estável para as nossas discussões. O nosso objetivo principal é ancorar as discussões atuais aos princípios existentes e empilhar questionamentos úteis ao exame dos conflitos decorrentes da tecnologia.
Pedro Vilhena: Tivemos que fazer escolhas, mas acho que conseguimos um programa inédito no Brasil, bastante panorâmico. Para não ficar na superfície e garantir profundidade, aumentamos as aulas para duas horas e meia e convidamos grandes especialistas.
Como o curso vai tratar especificamente do debate sobre a titularidade das criações por IA generativa?
PV: O curso foi pensado em cinco módulos, sendo o maior deles dedicado aos resultados obtidos por sistemas de IA.
RL: Duas aulas específicas tratarão da titularidade da criação, uma sob o viés do direito autoral e outra sob o direito de patentes. E ainda teremos uma apresentação sobre o caso DABUS, leading case mundial na discussão da patenteabilidade de invenções criadas por IA.
Como regular na Lei um sistema como o de IA, em constante mutação, para que tenha fundamentos estáveis?
RL: Essa é uma pergunta que o mundo inteiro se faz agora e é fundamental que observemos as tentativas de regulação da IA por outras jurisdições. Por esta razão, o EU AI Act serve de parâmetro para sete das 16 aulas do curso.
PV: E queremos que os alunos nos ajudem nessa reflexão. A experiência pessoal e a sensibilidade de cada um podem nos ajudar a apontar caminhos saudáveis na elaboração de uma legislação.
Quais são os riscos para a inovação no caso de uma legislação excessivamente rígida ou liberal demais?
RL: Inicialmente vislumbro dois riscos fundamentais. De um lado, a lei virar “letra morta”, ou seja, não ser respeitada e aplicada, o que seria lamentável. De outro, o Brasil se tornar um território pouco convidativo à inovação por IA, o que seria deveras danoso à nossa sociedade. Para evitar estes riscos, é importante pensar nos objetivos da lei e na sua relação com a própria Constituição Federal, e ainda nos padrões e concessões da nossa sociedade.
PV: Afinal, há muitos direitos e garantias fundamentais que podem ser lesados pela má utilização de sistemas de IA, como os direitos do consumidor, os direitos civis, a proteção de dados pessoais, o direito à propriedade intelectual e até a livre iniciativa, um dos fundamentos da nossa República.
Como a LPI deverá se conectar ao PL 2.338/2023, que busca regular o uso da IA no Brasil? A LPI precisará ser atualizada neste sentido?
RL: O texto original do PL tocava apenas tangencialmente em questões de direitos autorais e Propriedade Industrial. Mesmo o EU AI Act traz poucas menções ao tema. Tudo indica que, pelo menos por ora, a legislação não será afetada (pelo menos não de forma profunda). Isso significa que caberá aos advogados especialistas e aos tribunais encontrar as teses adequadas, a partir da interpretação do texto atual da LPI à luz dos princípios que regem a matéria. Pode ser trabalhoso, mas vai ser muito interessante acompanhar.
O Brasil deve seguir os passos da legislação europeia na regulação da sua IA? Não há peculiaridades em nosso sistema de IA que devem ser consideradas?
PV: A Europa tem se tornado um hub de criação legislativa com impactos em todo o mundo. Recentemente vimos nascer lá o GDPR (The General Data Protection Regulation), influenciando legislações do mundo todo, inclusive do Brasil. Seus textos legais tendem a ser prudentes, tendo em vista os diferentes níveis de desenvolvimento econômico dos países-membros. E o fato de ser uma jurisdição multinacional com enorme peso econômico leva outros países a adotarem legislações semelhantes ou, pelo menos, compatíveis. Neste sentido, seguir os passos da legislação europeia é inescapável. Mas ainda é cedo para apontar quais peculiaridades serão incluídas. Isso depende mais do processo legislativo propriamente dito do que do rigor acadêmico.
A legislação brasileira, a exemplo do EU AI Act, deve ser igualmente rigorosa na proteção de direitos autorais de conteúdos associados, especialmente os já protegidos, utilizados para o treinamento de modelos de IA?
PV: A Constituição determina que a lei não prejudicará o direito adquirido. Logo, seria inconstitucional qualquer legislação que retirasse dos autores os direitos dos quais já gozam sobre suas obras. Foi neste sentido a redação do artigo 53 do EU AI Act e parece-nos que deve ser neste sentido a determinação da lei brasileira.
RL: É sempre importante que o mercado de tecnologia negocie com os detentores de direitos autorais, de modo a permitir a exploração legal destes conteúdos pelos sistemas de IA. Está nessas negociações o segredo do equilíbrio entre a proteção de direitos e o desenvolvimento de novas criações.
Serviço:
O curso “Aspectos Jurídicos de Inteligência Artificial” promovido e organizado pelo Ceduc (Centro de Educação Continuada) da ABPI terá aulas online, de 15 de outubro a 05 de dezembro, sempre às terças e quintas-feiras, das 17h às 19h30m. O curso tem a coordenação da advogada Renata Lisboa e Pedro Vilhena. São 40 horas de palestras com especialistas de diversas áreas do Direito tratando o tema da Inteligência Artificial à luz da legislação europeia e do Projeto de Lei (PL 2.338/2023) que está sendo debatido no Congresso Nacional.
As inscrições já estão abertas. Associados da ABPI têm desconto especial. Clique nos links abaixo e inscreva-se!
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