ABPI e INPI de mãos dadas para o futuro
No ano que celebra o seu meio século de existência, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) vive um momento glorioso. Há de fato muito o que se comemorar, tanto no que se refere ao trabalho interno do instituto, quanto aos ganhos efetivos para o sistema brasileiro de propriedade intelectual. A lista de realizações inclui desde a drástica redução do backlog de patentes ao encurtamento do tempo de concessão das patentes – que caiu de assustadores 13/14 anos, em alguns setores, para um patamar, apesar de ainda alto, aceitável. Some-se a isso a adesão recente do Brasil ao Protocolo de Madrid e a boa operacionalização deste sistema pela autarquia, que se moderniza a passos largos para ser alçada ao pódio dos melhores escritórios mundiais de marcas e patentes. É essencial contabilizar ainda nesta lista o anúncio recente do governo de que, enfim, o Brasil tem uma Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual, na qual o INPI tem papel-chave. Já era tempo.
A Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI) permite-se celebrar junto ao INPI estas conquistas cinquentenárias. Afinal, pode-se dizer que, nutridas pelo diálogo e pela perseverança, mesmo em tempos difíceis, a ABPI, fundada em 1963, e o INPI, criado pela Lei nº 5.648, de 11 de dezembro de 1970, protagonizaram o amadurecimento progressivo da propriedade intelectual no País. A propósito, as gestões da ABPI junto às autoridades tiveram influência notória nas missões técnicas do governo à Alemanha resultando em, nada menos, na criação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, atual INPI, em substituição ao extinto Departamento Nacional de Propriedade Industrial (DNPI).
Ao longo dos anos 1970, a ABPI foi a voz do bom senso na defesa de um sistema de proteção aos direitos de PI. Isso durante o milagre econômico, gestado por um governo militar de acento nacionalista. Por meio de comunicados, resoluções e audiências com os militares que dirigiam o INPI e o governo a ABPI, entre outras iniciativas, elaborou e sugeriu legislação para a proteção do direito de autor aos programas de computador, propôs a revisão na lei de Direitos Autorais e lutou pela flexibilização nas regras nos contratos de transferência de tecnologia.
Em diferentes fóruns, junto ao governo e à sociedade, a ABPI criticou as imperfeições do sistema de PI. Foi contra a proibição da remessa de royalties nos contratos de franquia, advertiu sobre o não cumprimento do Brasil de dispositivos da Convenção da União de Paris, da qual foi um dos fundadores, e combateu a restrição imposta pelo Código de 1970 ao patenteamento de produtos químicos, processos e produtos farmacêuticos, alimentícios e biotecnologia.
Muitas das proposições da ABPI junto às autoridades à época foram acatadas, mesmo que a duras penas, como a adesão do Brasil, em 1977, ao Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT, na sigla em inglês). Assinado em Washington, em 1970, o tratado permite, por meio do depósito de um único Pedido Internacional de Patente, requerer a proteção patentária de uma invenção, em cerca de 150 países.
Ao final da década, com a crise do petróleo, a inflação e o esgotamento do modelo de substituição de importações dos militares, a ABPI, com balizamento técnico de suas Comissões de Estudo, passou a apontar os novos caminhos da recuperação econômica e do desenvolvimento, prática que mantém até hoje, por meio de documentos e eventos, presenciais e virtuais. Na Consulta Pública para elaboração da Estratégia Nacional da Propriedade Intelectual, que acaba de ser lançada no âmbito do Ministério da Economia, há várias sugestões formuladas pela Associação.
Na década de 1980, um ambiente mais arejado no INPI propiciou uma maior aproximação com a ABPI. O primeiro Seminário Nacional da Propriedade Industrial, realizado pela Associação em 1980, em São Paulo, teve a participação da direção da autarquia. O sucesso e o entusiasmo foram tamanhos que os dirigentes do instituto garantiram sua presença no II Seminário, que seria realizado no ano seguinte, no Rio de Janeiro. Hoje, a diretoria do INPI, a começar pelo seu presidente, são presenças constantes no evento, que, agora denominado Congresso Internacional da Propriedade Intelectual, chegará no ano que vem a sua 41ª edição.
Com o fim do ciclo de governos militares, em 1985, e a consequente redemocratização do país a Propriedade Intelectual entrou em nova fase. Na Constituinte de 1988 a atuação da ABPI foi decisiva para a manutenção dos direitos de propriedade intelectual e industrial como cláusulas pétreas dentre os direitos fundamentais
Os ventos liberalizantes dos anos de 1990 impactariam positivamente o sistema de Propriedade intelectual no País. A atuação da ABPI influenciou na revogação do Ato Normativo nº 15 e na Resolução nº 20, que reduziu o controle do INPI nos contratos de transferência de tecnologia. Ainda nessa década a ABPI teve intensa participação na elaboração da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996), ora fornecendo subsídios aos parlamentares integrantes das comissões constituídas nas Câmaras dos Deputados e no Senado Federal, ora participando de audiências públicas. O resultado foi uma legislação moderna, abrangente, inclusive em âmbito internacional, que tornou todas as matérias patenteáveis.
No INPI, as últimas duas décadas foram marcadas por um rodízio de presidentes, que atuaram dentro de suas limitações, mas é justo destacar o trabalho exercido pelas recentes administrações. A Anuência Prévia da Anvisa que implicava num duplo exame para produtos e processos farmacêuticos e contra a qual a ABPI sempre se bateu, foi minimizada com a portaria conjunta INPI/Anvisa, de 12 de abril de 2017. Com o novo procedimento, que pôs fim a quase duas décadas de insegurança jurídica, a Anvisa passou a limitar sua análise ao risco do produto ou processo à saúde pública, cabendo ao INPI avaliar os requisitos de patenteabilidade e dar a última palavra. Agora o governo estuda o envio de Projeto de Lei ao Congresso para acabar definitivamente com a exigência da Anuência Prévia da Anvisa para patentes de produtos e processos farmacêuticos.
A eliminação do backlog de patentes ou pelo menos a sua redução a um nível aceitável sempre foi um pleito da ABPI, mas só recentemente houve um efetivo enfrentamento do problema pelo INPI, e já há resultados animadores. Conforme anunciado pelo próprio presidente da autarquia, Cláudio Furtado, entre agosto de 2019 e a primeira semana de dezembro de 2020, o Plano de Combate ao Backlog reduziu 50% do estoque dos pedidos de patente, caindo de cerca de 149 mil pedidos para aproximadamente 75 mil pedidos.
A ABPI acompanha com entusiasmo as ações em curso para a modernização do INPI, como o Plano PI Digital, que visa dar maior eficiência operacional e administrativa aos serviços da autarquia. Ainda há muito o que se fazer neste sentido, mas é factível imaginar que as histórias das duas instituições continuarão interligadas, se cruzando e se desdobrando na linha do tempo.
A julgar pelas ações da ABPI e do INPI na busca pela melhoria do sistema de propriedade intelectual é razoável supor que o espírito de colaboração e a disposição ao diálogo seguirão pautando a relação entre as duas entidades. A ABPI quer um INPI forte, moderno, ágil e conectado ao crescimento econômico do País. Para isso, continuará defendendo a autonomia financeira da autarquia, em outra de suas bandeiras históricas. Com liberdade para gerir o próprio orçamento, do qual é superavitário, e aplicar os recursos na melhoria dos seus serviços, o INPI estará mais perto de equiparar-se aos grandes escritórios internacionais de marcas e patentes. É isso o que o País precisa.