A quebra de patentes não facilitará acesso à saúde
A “quebra de patentes”, apontada por muitos como a panaceia para a pandemia, não resultará, no curto prazo, no acesso do Brasil às vacinas contra a Covid-19, tem afirmado o vice-presidente da ABPI, Gabriel Leonardos. O instrumento adequado para este fim, insiste ele, é a licença compulsória, prevista na legislação brasileira.
A “quebra de patentes”, como é popularmente chamada, proposta por alguns países na OMC, vai facilitar, no curto prazo, o acesso do País às vacinas contra a Covid-19?
Gabriel Leonardos: Não. A medida será totalmente inócua para o objetivo de facilitar o acesso a vacinas no curto prazo. A falta de acesso às vacinas da Covid-19, que tanto aflige o mundo atualmente, decorre da falta de insumos e de infraestrutura de fabricação, e não de eventuais obstáculos patentários. Como recentemente disse o médico sanitarista e fundador da Anvisa, Gonzalo Vecina, em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 13 de maio de 2021: “Quebrada a patente, pode-se produzir? Não. O processo de produção de uma patente sempre tem segredos não depositados; e só com esforços importantes de engenharia reversa será possível deslindar o processo para obtenção do produto. Assim, a quebra de patentes sem a colaboração do detentor é um ato heroico e vazio.”
É possível produzir vacinas sem o apoio dos laboratórios?
GL: Sim, mas pode levar anos. Primeiro é necessário assegurar acesso aos insumos; em seguida é preciso ter a infraestrutura de fabricação, e estes dois passos iniciais não são banais. Em terceiro lugar, vem o desafio dificílimo de dominar a tecnologia para a fabricação. Na única vez que o Brasil decretou uma licença compulsória, para o medicamento Efavirenz, em 2007, o competente laboratório estatal ao qual foi encomendada a fabricação levou quase três anos para conseguir iniciar a produção. É muito mais rápido e eficiente negociar uma licença voluntária com os titulares de patente e ter o auxílio deles para iniciar a fabricação local, aliás, como fizeram, nesta pandemia, o Instituto Butantan e a Fiocruz, que já se manifestaram contra a quebra de patentes generalizada que está sendo cogitada.
Como vê a posição brasileira nesta questão junto aos fóruns internacionais?
GL: Coerente e realista. A posição brasileira, divulgada em 7 de maio de 2021 em nota oficial do Ministério de Relações Exteriores, é de compartilhar o objetivo de “prover vacinas seguras e eficientes ao maior número de pessoas possível, no menor intervalo de tempo possível”, e está trabalhando “com o conjunto dos membros da OMC para a construção de solução consensual e cooperativa que viabilize a aceleração da produção e disseminação de vacinas contra a Covid-19 no menor prazo possível”. A posição é coerente porque é essencial para o objetivo de ingresso na OCDE que o Brasil respeite os direitos de propriedade. E é responsável porque reconhece que apenas uma solução de consenso, ou seja, voluntária, é que produzirá o efeito desejado, de viabilizar a produção de vacinas o mais rápido possível.
Como a propriedade intelectual pode ser solução para combater a pandemia? Qual o instrumento recomendado?
GL: O fortalecimento e respeito ao sistema de patentes é a única forma eficaz de estimular a inovação. Apenas com pesquisas estimuladas pelo sistema de patentes é possível alcançar avanços na medicina para proteger a população mundial, não apenas diante da pandemia da Covid-19, mas também das futuras pandemias. A licença compulsória é um instrumento legítimo e previsto na legislação de propriedade intelectual, que assegura equilíbrio ao sistema de patentes, e ele pode e deve ser usado pontualmente, mas apenas quando não houver uma alternativa melhor para assegurar o acesso da população à saúde.