Newsletter Edição 08 - Novembro 2019

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A PI brasileira com sotaque alemão

Atribui-se ao escritor Oscar Wilde a máxima de que a vida é muito curta para se aprender alemão. O advogado Gert Egon Dannemann, respeitosamente, discorda. Ele fala a língua de Goethe desde criancinha. Na verdade, apesar do nome germânico, por ascendência, Gert é carioca da gema. Recém aposentado, escreveu sua história profissional entre o Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo e a Alemanha, onde moram seus filhos.

Fundador da ABPI ao lado de outros próceres, Gert Dannemann é membro nato da entidade e guarda vivo na memória boa parte da história da Propriedade Intelectual no Brasil. Foi presidente da ABPI, da LES-Brasil, da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha do Rio de Janeiro e, até agosto deste ano, ocupava o cargo de Diretor Executivo do IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos Jurídicos e Técnicos, associação sem fins lucrativos, que tem como objetivo, em essência, disseminar, no Brasil e no exterior, os direitos da propriedade intelectual, ambiental, relações de consumo e de trabalho.

Aos 82 anos, Gert não se dedica mais à temática da Propriedade Intelectual, mas jamais deixou de lado o salutar exercício do intelecto. Promove saraus de música, faz cursos na Casa do Saber (RJ) e, em boas ocasiões, com alguma vigilância médica, saboreia bons vinhos das mais diferentes origens. Nesta entrevista em sua casa, em Ipanema, ele contou um pouco da sua história, falando de Brasil, Alemanha, música, vinhos e, claro, de propriedade intelectual. Em tempo: o nome é Gert, mas também atende pelo nome de Geraldo.

A AIPPI
No final do século XIX, a Alemanha era um país pioneiro em associações que cuidavam dos direitos de Propriedade Intelectual. Junto com os franceses constituíram a AIPPI (Association Internationale pour la Protecion de la Proprieté Intellectuelle, na sigla em francês). Depois vieram os americanos e os ingleses. A AIPPI era oportunidade para travar contato com profissionais de PI do mundo inteiro e estar por dentro das discussões mais atuais sobre a matéria. Meu pai foi o primeiro brasileiro a frequentar congressos da AIPPI já a partir da primeira guerra.

Embora o Brasil fosse signatário de acordos internacionais, como a Convenção de Paris, não havia no País uma cultura de Propriedade Intelectual. Poucas pessoas se dedicavam a este tema. Só a partir dos anos 50, na medida em que o País foi se desenvolvendo e passou a participar destas reuniões internacionais, é que a coisa tomou corpo.

Alemão desde criancinha
Minha história com a Propriedade Intelectual começou em 1954. Na época, estava terminando o curso Clássico e meu pai, Eduardo Dannemann, perguntou se eu não queria dar uma espiada no escritório dele. E topei. Isso antes da fusão do escritório com o do Luiz de Ipanema Moreira, em 1958. Fui trabalhar como preposto do meu pai junto ao então Departamento Nacional da Propriedade Industrial, o DNPI, repartição vinculada ao Ministério da Indústria e Comércio, competente para conceder, dentre outros, patentes e registros de marcas. Em 1961, concluí o curso de Direito na antiga Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil. Como falava alemão desde pequeno, em 1964 fui fazer um estágio no escritório de um colega do meu pai em Düsseldorf, na Alemanha. No mesmo ano, terminado o estágio, voltei para o Brasil.

A ABPI na AIPPI
Desde o início dos anos 1950 já se discutia no Brasil a ideia de formar uma associação brasileira de Propriedade Industrial. Foi o Luiz Leonardos que nos representou no congresso da AIPPI em Salzburg, na Áustria, para nos tornar grupo nacional daquela entidade. A ABPI foi criada em 1963 por um grupo que reunia Maurício Vilela, o primeiro presidente, Guilherme Vidal Leite Ribeiro, Peter Dirk Siemsen, Paulo Carlos de Oliveira, Thomas Othon Leonardos, Carlos Henrique Fróes, Luiz Leonardos, Catharina Bigler, Luiz de Ipanema Moreira, Júlio Mello, Guilherme Gnocci, José Scheinkman e eu.

Com a revolução de 1964 as coisas ficaram difíceis para a Propriedade Industrial e para a ABPI. O primeiro presidente do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), Thomas Thedim Lobo, fechou as portas para a nossa associação, que então ficou no ostracismo. Os militares tinham uma visão xenófoba, a exemplo do que existia no setor de informática, achavam que queríamos entregar o Brasil ao capital estrangeiro. Não entendiam que, o que pretendíamos era revelar e convencer o empresariado local sobre a importância de um sistema de patentes de modo a torná-lo competitivo frente aos seus competidores sediados no exterior.

A associação só voltou a exercer suas atividades depois que Arthur Carlos Bandeira, já no final da década de 70, assumiu a presidência do INPI. Ele percebeu a importância da Propriedade Intelectual para o desenvolvimento da nossa indústria, do comércio, da economia e começou a dialogar conosco. Foi a partir daí que começamos a nos desenvolver como uma associação nacional, levando aos empresários brasileiros o conhecimento de uma legislação que protegia seus inventos e marcas.

O primeiro seminário da ABPI foi no Rio de Janeiro. Depois fizemos em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Blumenau, Curitiba, Ribeirão Preto, São Bernardo do Campo e Contagem. E dentro destes seminários discutíamos matérias internacionais que eram levadas no âmbito da AIPPI, o que continua até os dias atuais.

A Lei de Propriedade Industrial
Quando começamos a discutir uma nova legislação de Propriedade Industrial para o Brasil (Lei 9.279/96) o Luiz Leonardos era o presidente da ABPI e eu o diretor relator. A missão era levar nossa experiência e conhecimento sobre o assunto aos parlamentares integrantes da comissão para esse fim constituída, entre eles, por João Agripino, Marco Maciel, Sandra Cavalcanti, Ney Lopes, José Aleluia, Nelson Jobim, Roberto Campos e muitos outros. Depois, já como presidente da ABPI, participei de inúmeras reuniões na Câmara de Deputados e no Senado Federal para tratar do tema. Ia muito à Brasília para participar dessas reuniões com os parlamentares na companhia do Chico Teixeira, na época representante da indústria farmacêutica. Muitas das coisas mais importantes que hoje constam na lei foram propostas por nós, como a licença compulsória e a proteção da biotecnologia. Foi empolgante participar daquele momento histórico.

A lei brasileira de Propriedade Industrial é muito boa, mas vai precisar de ajustes por conta das novas tecnologias, da inteligência artificial e da economia digital. Estes temas estão sendo debatidos em âmbito mundial, da AIPPI.

Ator importante
Hoje o Brasil é um ator extremamente importante no tema da Propriedade Intelectual e avançou bastante nesta área. Há casos de se tirar o chapéu, como o da Unicamp, da Fiocruz, que desenvolvem pesquisa. E temos a Embrapa, a Embraer, que concorre com grandes empresas internacionais, como a Boeing.

No entanto, ainda existe certo desconhecimento sobre os benefícios da Propriedade Industrial para o desenvolvimento brasileiro. Veja o caso da ABAPI (Associação do Agentes da Propriedade Industrial), que está às voltas com o reconhecimento da profissão. Fato é que existe ainda um ranço contra a Propriedade Industrial no País.

A questão é que os governos não despertaram para a importância da Propriedade Industrial para o sistema produtivo e para o desenvolvimento brasileiro. O Brasil não valoriza a pesquisa industrial, a exemplo de outros países, como Alemanha e Estados Unidos. E temos aqui grandes pesquisadores, mas que não se convenceram da necessidade e importância de proteger suas patentes e invenções. Os que têm acesso à informação e consciência sobre este tema estão no Sudeste, em estados como São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Mas infelizmente esta consciência não é a mesma no resto do País. É um outro Brasil.

É a partir da pesquisa e da interação entre universidades e empresas, que se promove o desenvolvimento. Veja a China, que começou copiando e agora exporta para o mundo inteiro.

Primeira aposentadoria: IDS
Em 2000 resolvi me aposentar e me desligar da sociedade do escritório. Queria mais liberdade para visitar meus filhos e netos, que estão no exterior. Conversei com o Peter (Siemsen), o sócio sênior, ele concordou e acertamos tudo. Na mesma época tive um problema de saúde e fui submetido a uma cirurgia. Quando me restabeleci, o Peter ponderou que estava muito novo para a aposentadoria e me propôs constituir um instituto de estudos para difundir a propriedade intelectual nos meios empresariais. E, para isso, aproveitar minha experiência e conhecimento sobre o assunto, inclusive aquele adquirido no exterior. Foi então que em julho de 2001 constituímos o Instituto Dannemann Siemsen (IDS), do qual, até me aposentar definitivamente, era o diretor-presidente.

O IDS então passou a promover eventos, debates, estudos e intercâmbio com outros países sobre Propriedade Intelectual. Publicamos livros sobre vários temas, como transferência de tecnologia, patentes e todo o sistema da Propriedade Intelectual. Trouxemos profissionais de fora para palestras no Brasil.

Por uma ideologia liberal
O Brasil precisa adotar uma ideologia liberal, e deixar o empresariado tocar seus empreendimentos com liberdade econômica. Mas não vejo hoje uma liderança capaz de implementar uma política desta natureza no País. O militar tem boa formação, mas quando entra na política acaba se deixando influenciar por outros caminhos e aí vira bagunça.

Segunda aposentadoria: música, vinhos e saber
Hoje, até por limitações de saúde, não estou mais acompanhando estes temas de Propriedade Intelectual. O IDS está sob os cuidados do Gustavo Piva de Andrade, em muito boas mãos.

Venho então me dedicando mais à música, ajudando a promover saraus na Sociedade Germânica, da qual sou conselheiro. Também ocupo meu tempo fazendo cursos na Casa do Saber, sobre Relações Internacionais, rudimentos sobre economia, política nacional e internacional, mediação e arbitragem. E recentemente fiz um curso de vinhos, que gosto muito. Sempre estive envolvido com este assunto por conta de uma entidade do ministério da agricultura da Alemanha (Deutscher Weinfonds), competente para cuidar da proteção de suas indicações geográficas.

A diversidade do vinho é enorme. Os vinhos alemães são excelentes. Há variedades de uvas maravilhosas na Alemanha e nem tão conhecidas por aqui, como a riesling, silvaner e ruländer. Vinhos produzidos a partir dessas nobres castas podem ser encontrados, por exemplo, nos vales dos rios Reno e Mosela, na Francônia, no Palatinado e no Kaiserstuhl (Trono do Imperador). 

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